sexta-feira, novembro 25, 2011

Em Olivença, o silêncio das pedras e o silêncio das gentes


Tarde de outono e de muito calor em Olivença. As pedras velhas do castelo, das igrejas, das chaminés, das casas, e até as pedras do chão da principal praça de Olivença (pavimentada por calceteiros de Lisboa nos anos 80 do século passado) gritam em silêncio e em português.

Já o povo tem vergonha de falar português ainda que o entenda perfeitamente, resultado da proximidade da fronteira e sobretudo da convivência com o falar de alguns pais e de todos os avós numa terra em que a língua portuguesa era usada por quase todos até há cerca de cinquenta anos.

Nas ruas que o calor do princípio da tarde esvazia de gente, cruzo-me com um homem que aparenta ter cerca de setenta anos; pergunto-lhe onde fica a Santa Casa da Misericórdia, que sei onde é, mas quero ouvi-lo falar. Ele responde em português com sotaque alentejano e algumas palavras espanholas pelo meio, e aproveita para uma discrição longa de um caminho curto. Quando acaba digo-lhe “O senhor fala português.” Ele responde que sim, que “em casa de ‘mês’ pais se falava português”. Nisto vê aparecer detrás dele um homem jovem empurrando um carrinho de bebé e diz mais alto, “Mas ‘ê’ sou ‘espanholi’” e controla com o olhar o afastamento do mais novo. Aceno-lhe que sim, pois, percebo. O homem novo que empurra o carrinho de bebé já passou e ele volta a perder a vergonha, e no meio de mais conversa, explica que o seu "falari" não se deve a viver perto da fronteira porque "a gente 'mayor' (espanhol para 'mais velho'), falou sempre assim.".

A geração deste homem será a última a falar português em Olivença ainda que só dentro de portas, ou com vizinhos da mesma idade, ou com turistas portugueses. Após duzentos anos de ocupação espanhola e linguicídio chega ao fim o 'falar à portuguesa' do povo do Olivença.



Os nomes

O sobrenome português "Lagoa" num estabelecimento comercial.
Em Olivença, a generalidade dos sobrenomes portugueses foi espanholizada.
De notar na foto a calçada portuguesa.

O restaurante 'A Vila".
Ainda hoje muitos oliventinos referem a localidade com um portuguesíssimo 'a vila'.




Toponímia histórica de Olivença recuperada.
Por iniciativa da Associação oliventina 'Além Guadiana', em 2010 a autarquia colocou nas ruas do centro histórico de Olivença placas toponímicas relembrando a designação original da Olivença portuguesa.




As pedras


A torre de menagem do castelo de Olivença, construída em 1488 no reinado de D.João II.
A torre é visível no horizonte a vários quilómetros de distância de Olivença.


Baixo relevo com as armas portuguesas na torre de menagem.
As armas portuguesas estão apostas no exterior e interior de todos os edifícios históricos oliventinos.

Igreja da Madalena.


Interior da Igreja da Madalena.
Depois dos Jerónimos, em Lisboa, a Madalena de Olivença é o melhor exemplar do estilo manuelino.
(Link da foto)

O edifício da Santa Casa da Misericórdia.
A Santa Casa da Misericórdia de Olivença foi inaugurada em 1501 na presença do rei D.Manuel I. 


Ponte da Ajuda, construída em 1510 no reinado de D.Manuel I, ligava Elvas a Olivença.
Permanece semidestruída desde 1709, ano em que o exército espanhol fez explodir os arcos centrais nos confrontos com Portugal durante a Guerra da Sucessão Espanhola.



Mais imagens de Olivença aqui.



Vestígios de dignidade portuguesa em Olivença

Nos arredores de Elvas as placas rodoviárias apontam a direção de Olivença como se de outra qualquer localidade portuguesa se tratasse. Na estrada para Olivença não existe sinalética que indique o sentido de Espanha.








Ao lado da arruinada ponte da Ajuda, fica a ponte nova da Ajuda, financiada e construída inteiramente por Portugal e inaugurada no ano 2000.



Na margem esquerda do Odiana está assinalada a entrada em Espanha, assim como a aproximação da fronteira com Portugal



Na margem direita do Odiana não está assinalada a entrada em Portugal nem existe indicação de aproximação de fronteira:



O mapa oficial de estradas do regulador rodoviário em Portugal não assinala a fronteira com Espanha no termo de Olivença. De notar ainda a designação em português das aldeias oliventinas. Esta opção segue a prática do Instituto Geográfico do Exército.




Epílogo

Se em Portugal houvesse restos de caráter nos governantes e vestígios de autoestima nos governados, há muito que teriam sido encontradas as habilidades diplomáticas que tornariam internacional e politicamente insuportável a ocupação deste pedaço de território português. Tarefa mais difícil foi a cedência indonésia na questão de Timor, e Timor é independente há dez anos.

Olivença não tem valias comerciais, nem estratégicas, nem militares para nenhum dos dois países. É apenas um confronto de silêncios entre o orgulho do esbulhador e a poltronice do esbulhado.

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