quarta-feira, fevereiro 25, 2015

A felicidade é redonda, o tempo é retilíneo

[N]asce no espírito de Tereza um pensamento blasfemo, de que não consegue livrar-se: o amor que a une a Karine [a sua cadela] é melhor do que o amor que a Tomas [o seu marido]. Melhor, e não maior. […]
É um amor desinteressado, Tereza não quer nada de Karine. Nem sequer exige que ela a ame. Nunca se atormentou com as perguntas que torturam os homens e as mulheres: “Ele gosta de mim? Já terá amado alguém mais do que me ama? Ama-me mais do que eu o amo?”. Todas estas interrogações que questionam o amor, que o medem, o perscrutam, o inspecionam, não se arriscarão a matá-lo na casca? Se somos incapazes de amar, talvez seja porque desejamos ser amados, ou seja, por querermos alguma coisa do outro (o seu amor), em vez de chegarmos junto dele sem reivindicações e não querermos senão a sua simples presença. […] 
O amor entre o homem e o cão é idílico. É um amor sem conflitos, sem cenas dilacerantes, sem evolução. Karine ia traçando em torno de Tereza e de Tomas o círculo da sua vida fundada na repetição e esperava o mesmo deles.
Se em vez de ser um cão, Karine fosse um humano, certamente que já teria dito a Tereza há muito tempo: ”Ouve lá, já estou farto de vir todos os dias com um croissant na boca. Não és capaz de me arranjar outra coisa?” Nesta frase, encontra-se resumida toda a maldição do homem. O tempo humano não anda em círculos, mas avança em linha reta. Por isso o ser humano não pode ser feliz. A felicidade é o desejo da repetição.
Sim, é verdade, a felicidade é o desejo de repetição.

Nestes trechos da 'Insustentável Leveza do Ser', de Milan Kundera, confirmo duas suspeitas antigas:

- se alguém disser, “gosto de ti como tu gostas do teu gato ou do teu cão”, poderia também dizer “podes encontrar quem goste tanto de ti como eu (pode até ser o teu gato, o teu cão), mas não encontrarás quem goste mais de ti do que eu”.
- quem regressa uma e outra vez aos lugares em que se sentiu bem, é mais feliz do que quem busca sempre lugares novos pra se sentir bem.

 "O tempo humano não anda em círculos, mas avança em linha reta. Por isso o ser humano não pode ser feliz. A felicidade é o desejo da repetição."

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