quinta-feira, novembro 22, 2007

Os Portugueses Vistos pelos Outros

Em 1836, Charles Napier (1796-1860) publica em Londres ‘An Account of the War Between Don Pedro and Don Miguel’. Tratava-se do relato, na primeira pessoa, da Guerra Civil portuguesa de 1832-34. O autor, oficial da Marinha Britânica, fora um dos vários oficiais estrangeiros intervenientes na guerra, no caso ao lado dos liberais.

O livro tem particular interesse pelo facto de conter várias referências ao caráter dos portugueses à luz da percepção de um militar estrangeiro de repente envolvido no ambiente de intriga e de jogos de poder no seio de uma das fações da guerra civil. De tempos a tempos iremos colocar no blog algumas passagens mais relevantes dessas observações.


O relato de Napier foi publicado pela primeira vez em Portugal em 1841 numa tradução de Manuel Joaquim Pedro Codina, reconhecidamente liberal. O tradutor não se exime de colocar várias notas na edição portuguesa, algumas bastante críticas em relação às apreciações de Napier, sobretudo quando ele aponta as faltas de caráter ou outras de alguns políticos e governantes liberais.
A obra foi reeditada em 2005 pela Caleidoscópio sob o título 'A Guerra da Sucessão Entre D.Pedro e D.Miguel'. Mantém-se a tradução original do Codina e respetivas notas, mas traz agora uma importante introdução de António Ventura constituída por uma nota biográfica muito completa de Charles Napier e pelo enquadramento histórico do seu relato. António Ventura admite a existência de alguns erros na tradução de Codina mas, infelizmente, opta por mantê-la ou pelo menos por não os evidenciar.

Milhares de mercenários estrangeiros participaram nas Guerras Civis portuguesas do século 19. A guerra de 1832-34 foi talvez aquela em que essa participação foi mais relevante. Napier, um oficial da Marinha britânica de reconhecido mérito, é contratado nessa circunstância pela fação liberal.

Em Junho de 1933, com 37 anos, Charles Napier desembarca no Porto, então sob ocupação das tropas liberais vindas dos Açores, cercadas por terra pelas tropas miguelistas. D.Pedro nomeia-o comandante-em-chefe da esquadra liberal.O desempenho Napier na guerra foi notável, mas merece especial destaque o papel que teve no comando e vitória da esquadra liberal sobre a esquadra miguelista no Cabo de São Vicente, logo no mês seguinte ao da sua entrada ao serviço. O curso da guerra mudou após esta manobra naval bem sucedida, e as tropas liberais puderam avançar sobre Lisboa a partir do Algarve, alterando definitivamente o pendor da guerra.
Ainda decorria o conflito quando Charles Napier foi nomeado diretor do Arsenal da Marinha com a incumbência de reestruturar e modernizar este estabelecimento militar. Os entraves colocados à sua ação tanto pelos funcionários do Arsenal como pelos seus inimigos no novo Governo agora instalado em Lisboa impediram-no de cumprir a tarefa. A sua desilusão aumentou pelo facto de nunca ter chegado a receber a quantia prometida pela sua participação na guerra, afinal sorte semelhante à de tantos mercenários que combateram em Portugal. Ainda assim, nunca renegou a sua amizade e admiração por D.Pedro, Palmela e Saldanha. Abandonou Portugal e os seus cargos na Marinha portuguesa logo após a morte de D.Pedro IV, em 1834, com o título de Conde do Cabo de São Vicente.

Charles Napier entrou para a Marinha britânica como voluntário aos 13 anos. Ao longo da sua carreira militar destacou-se em ações de guerra, progredindo rapidamente na hierarquia naval. Já como oficial, comandou importantes vitórias navais para a Grã-Bretanha. Esteve suspenso da Marinha entre 1834 e 36 por ter participado ilegalmente no conflito português. Terminou a carreira militar como Almirante. A sua vida não se restrigiu à Marinha de guerra, foi também deputado ao Parlamento. Era conhecido popularmente por Mad Charley em resultado da sua coragem e imprevisibilidade.

O texto acima baseia-se no próprio livro com especial destaque para o notável trabalho introdutório de António Ventura na obra exposta.